Um viciado sem acesso à sua droga está em estado de crise. A “crise energética”, que reaparece sempre que o fluxo de combustível de países instáveis é cortado ou ameaçado, é uma crise no mesmo sentido. Quando uma crise assim é percebida na esfera ocidental, duas soluções são geralmente propostas: reduzir nossa dependência de combustíveis estrangeiros desenvolvendo tecnologia de extração de energia “ecologicamente correta”, ou enviar um exército para pacificar a tal região rica em combustível. Ambos os caminhos, aparentemente contrários um ao outro, tomam como fundamentalmente verdadeira uma certa proposição: que em circunstância alguma devemos usar menos energia do que já usamos. Nessa concepção, todos os problemas humanos devem ser resolvidos pelo recrutamento de ainda mais “escravos energéticos” para atenderem à demanda crescente dos mestres humanos. As duas soluções consistem em garantir a fonte atual da droga, ou encontrar um traficante diferente e mais seguro.

Recentemente virou moda insistir em uma crise energética iminente. Esse eufemismo esconde uma contradição e consagra uma ilusão. Ele mascara a contradição implícita na busca conjunta de equidade e crescimento industrial. Ele protege a ilusão de que o poder das máquinas pode substituir sem limites a mão-de-obra humana. Para resolver essa contradição e dissipar essa ilusão, é urgente esclarecer a realidade que a linguagem da crise torna obscura: altas quantidades de energia degradam as relações sociais tão inevitavelmente quanto destroem o meio físico.

Os defensores de uma crise energética acreditam e continuam a propagar uma visão peculiar do ser humano. De acordo com essa noção, nascemos em eterna dependência de escravos, que devemos dolorosamente aprender a dominar. Se não usamos prisioneiros, então precisamos de máquinas para fazer a maior parte do nosso trabalho. Segundo essa doutrina, o bem-estar de uma sociedade pode ser medido pelo número de anos que seus membros foram à escola [alô, IDH?] e pelo número de escravos energéticos que aprenderam assim a comandar. Essa crença é comum às duas ideologias econômicas hoje em conflito. Ela é ameaçada pela inequidade, tormento e impotência óbvias que aparecem em toda parte quando as vorazes hordas de escravos energéticos ultrapassam o número de pessoas numa certa proporção. A crise energética se concentra na escassez de forragem para esses escravos. Eu prefiro perguntar se pessoas livres precisam deles.

As políticas energéticas adotadas durante a década atual [1970] determinarão o alcance e o caráter das relações sociais que uma sociedade poderá desfrutar no ano 2000 [alô, sociedade a portas trancadas?]. Uma política de baixa energia permite uma ampla variedade de estilos de vida e culturas. Se, por outro lado, uma sociedade escolhe o alto consumo de energia, suas relações sociais devem ser ditadas por tecnocratas e serão igualmente degradantes seja ela rotulada como capitalista ou socialista.

Neste momento, a maioria das sociedades – especialmente as pobres – ainda são livres para definir suas políticas energéticas a partir de uma entre três diretrizes. O bem-estar pode ser associado ao alto uso de energia per capita, à alta eficiência de transformação de energia, ou ao menor uso possível de energia mecânica pelos membros mais poderosos da sociedade. A primeira abordagem enfatizaria a gestão rigorosa de combustíveis escassos e destrutivos em nome da indústria, enquanto a segunda enfatizaria o reequipamento da indústria no interesse da economia termodinâmica. Essas duas primeiras atitudes implicam necessariamente enormes gastos públicos e maior controle social; ambos racionalizam o surgimento de um Leviatã computadorizado [alô, Google-Skynet?], e ambos são hoje amplamente discutidos.

A possibilidade de uma terceira opção mal é notada. Embora as pessoas tenham começado a aceitar limites ecológicos ao uso máximo de energia per capita como condição para a sobrevivência física, elas ainda não pensam no uso mínimo viável de energia como fundamento de várias ordens sociais que seriam ao mesmo tempo modernas e desejáveis. No entanto, apenas um limite ao uso de energia pode levar a relações sociais caracterizadas por altos níveis de equidade. A opção que é atualmente ignorada é a única escolha ao alcance de todas as nações. É também a única estratégia pela qual um processo político pode ser usado para impor limites ao poder até mesmo do burocrata mais motorizado. A democracia participativa requer tecnologia de baixa energia. Apenas a democracia participativa cria as condições para a tecnologia racional.

O que geralmente é ignorado é que equidade e energia só podem crescer juntas até certo ponto. Abaixo de um limite de consumo per capita, motores melhoram as condições para o progresso social. Acima desse limite, a energia cresce às custas da equidade. Uma maior produção de energia significa então uma distribuição reduzida do controle sobre essa energia.